
D. Miguel I de Portugal foi um homem controverso. Desde o início de sua vida uma infinidade de rumores e boatos foram difundidos sobre ele, mas até hoje pouca coisa foi provada. Seria ele um tirano cruel ou um rei que lutou por suas ideais?
D. Miguel de Portugal nasceu em 26 de outubro de 1802 no Palácio de Queluz em Lisboa. Ele foi o sétimo dos nove filhos de D. João VI de Portugal e sua esposa D. Carlota Joaquina de Bourbon, infanta da Espanha.
Diversos rumores afirmaram que D. Miguel não seria filho de D. João e sim fruto de um suposto romance de D. Carlota Joaquina com o marquês de Marialva, diplomata da corte portuguesa.
No entanto, a pesquisadora Maria de Fátima Sá e Melo Ferreira, formada em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em seu livro ‘D. Miguel’ publicado em 2006 que faz parte da ‘Colecção Biografias dos Reis de Portugal’, desmente tais afirmações.
Através de uma minuciosa investigação em cartas e documentos da época Sá e Melo chegou a conclusão que D. Miguel era, de fato, filho de D. João VI e que na época de sua concepção o rei e sua esposa ainda mantinha relações sexuais.
No entanto, é inegável que o casal real se afastou consideravelmente após a chamada Conspiração de Mafra em 1805, que visava retirar D. João VI do cargo de regente. Uma das principais líderes do conluio havia sido D. Carlota Joaquina que pretendia assumir o poder em seu lugar.
Como se não bastasse os conflitos internos no seio familiar D. Miguel viveu num período caótico e marcado por profundas mudanças tanto a nível social quanto político.
Em 1789 o poder absolutista dos reis europeus havia sido fortemente contestado com a eclosão da Revolução Francesa e ideais como liberdade e democracia começaram a ser largamente propagados.
Porém, D. Miguel não nutriria simpatia por esses conceitos. Como era típico da Dinastia de Bragança ele recebeu uma educação profundamente católica, sendo educado por frades do Convento de Mafra.
Entretanto, sua estádia em Portugal seria de curta duração.
Em 29 de novembro de 1807 diante dos avanços dos exércitos de Napoleão Bonaparte que ameaçavam invadir Portugal D. Miguel, assim como grande parte da corte portuguesa, embarcou numa esquadra cujo o destino era o Brasil.
A partir de 8 de março de 1808 ele fixaria residência no Rio de Janeiro, mais propriamente num casarão que ficou conhecido como Palácio de São Cristóvão. Ali D. Miguel residiria durante 13 anos ao lado de seu pai e irmão mais velho.
D. Miguel manteve contato constante com as camadas mais baixas da sociedade durante sua estadia no Brasil ao ponto de até mesmo desenvolver o sotaque carioca, algo que foi criticado pelos cortesãos conversadores.
Também sabemos, por meio de testemunhos de contemporâneos, que D. Miguel era dono de uma personalidade forte e dominadora e que fazia questão de manter uma forte vigilância sobre as irmãs.
A infanta D. Maria da Assunção seria a sua irmã mais próxima e sempre lhe daria apoio.
Enquanto vivia no Rio de Janeiro boatos foram disseminados afirmando que D. Miguel era cruel ao ponto de caçar imigrantes chineses como se fossem animais. Tais boatos carecem de fundamentação histórica e são altamente improváveis de serem verídicos dado a religiosidade do infante.
Após o retorno da Família Real Portuguesa a Lisboa, em 26 de abril de 1821, D. Miguel começou a desempenhar um papel político de maior destaque.
Como era contrário a implementação de uma monarquia constitucional D. Miguel liderou diversos levantes militares que tinham o objetivo de barrar o avanço das ideias liberais. Em maio de 1823 ele liderou a Vilafrancada, que resultou na dissolução das Cortes Portuguesas e no restabelecimento da monarquia absolutista.
Como resultado D. João VI que apoiava o filho o nomeou Chefe do Exército Português.
Todavia, os liberais não ficariam sem reação e prepararam um plano para destronar D. João VI e restabelecer a Constituição Portuguesa de 1822.
Ciente da trama D. Miguel convocou as tropas de todos os quartéis de Lisboa em abril de 1834. O movimento ficaria conhecido como Abrilada e resultaria no exílio de D. Miguel em Viena.
Na ocasião D. João VI se viu pressionado pelos diplomatas franceses e britânicos a dar um fim as ações do filho. Como resultado o monarca permaneceria no trono até sua morte em 10 de março de 1826.
O herdeiro do trono do português foi D. Pedro I do Brasil, que após um reinado de cerca de dois meses abdicou do trono em favor da filha D. Maria da Glória.
Após a morte do monarca, D. Miguel retornaria a Portugal sob a promessa de se casar com sua sobrinha D. Maria da Glória e assumir o cargo de regente. Durante esse período se passaram cerca de dois anos, cujo o governo de Portugal foi exercido por sua irmã D. Isabel Maria da Conceição.
Apesar de haver jurado fidelidade a Carta Constitucional de 1826 e a nova rainha D. Miguel não cumpriu com o acordo e em dentro de pouco tempo conquistou o apoio dos setores mais conservadores da sociedade portuguesa e se auto-proclamou rei.
D. Miguel reinaria em Portugal durante seis anos contando com um grande apoio popular. No entanto, ele não contaria com determinados acontecimentos políticos no Brasil, como abdicação de D. Pedro I do trono em 7 de abril de 1831.
Logo depois D. Pedro rumou para a Europa e deu início a uma campanha para conquistar apoiadores a causa de sua filha. Após obter armas e dinheiro, por intermédio do político espanhol Juan Álvarez Mendizábal, ele chegou a Portugal comandando um exército de sete mil soldados.
Em dentro de pouco tempo as forças de D. Pedro tomaram as Ilhas dos Açores, situadas no Oceano Atlântico, de onde começaram a lançar ataques a Portugal. No entanto, o fator mais decisivo na derrota de D. Miguel foi a união do Reino Unido, França e Espanha as forças de D. Pedro através do Tratado de Londres assinado em 22 de abril de 1834.
Em 16 de maio deste mesmo ano teria lugar a Batalha de Asseiceira, onde as forças de D. Miguel seriam definitivamente derrotadas pelos exércitos estrangeiros e pelos homens a serviço de seu irmão. Exatamente dez dias depois, em 16 de maio, ele abdicaria do trono em favo de sua sobrinha.
Durante o conflito tanto D. Miguel quanto D. Pedro sofreriam perdas pessoais. Em 7 de janeiro de 1834 a irmã mais querida de D. Miguel, D. Maria da Assunção, faleceu em condições lastimáveis vítima de cólera, uma epidemia que havia se instalado em Portugal na época.
Por sua vez, durante o cerco do Porto D. Pedro recebeu a notícia do falecimento de D. Paula Mariana, a penúltima de suas filhas mulheres. A princesa que nunca havia sido robusta havia morrido no Brasil com 9 anos. Não se sabe se ela foi vítima de meningite ou malária.
Apesar de muitos liberais clamarem pela execução de D. Miguel após o fim da Guerra Civil Portuguesa D. Pedro se recusou a tomar uma medida tão drástica contra o irmão e optou por decretar a Lei do Banimento, que foi promulgada em 19 de dezembro do mesmo ano.
A Lei do Banimento previa o exílio de D. Miguel e o privava do direito de sucessão ao trono português, assim como seus descendentes.
Após deixar Portugal D. Miguel se exilou em Roma, onde viveu num palácio decidido pelo Papa Gregório XVI, que o descreveu “o Rei mais católico que tenho em toda a cristandade”.
Finalmente D. Miguel se estabeleceu em Baden-Württemberg, na Alemanha. Ele viveu no Castelo de Bronnbach e aos 49 anos de idade se casou com a Princesa Adelaide de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg.
Juntos o casal gerou sete filho, dos quais apenas um foi um homem.
Finalmente, em 14 de novembro de 1866 D. Miguel faleceu aos 64 anos de idade. Ele viveu mais tempo que o irmão D. Pedro, que faleceu logo após o fim da guerra civil. Seu corpo inicialmente foi sepultado no Convento dos Franciscanos de Engelberg, Alemanha.
Em 27 de maio de 1950, após mais de um século em vigor a Lei do Banimento foi revogada pela Assembleia Nacional Portuguesa e em 1967 os restos mortais de D. Miguel foram depositados no Panteão da Dinastia de Bragança, no Mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa.
Neste mesmo mosteiro residem vários membros da Dinastia de Bragança, incluindo os corpos de seus pais, D. João VI e D. Carlota Joaquina.
Texto escrito por Fernanda da Silva Flores